(fraquinho....)
Massive Multiplayer Online Games e o desenvolvimento de comunidades virtuais
(estudo de caso Travian)
“O homem só joga quando, na plena acepção dessa palavra, ele é homem, e ele não é completamente homem senão quando joga”.
Schiller
MMORPG; MMOG; Comunidades virtuais; Jogos on-line; Travian
Actualmente, temos inúmeras redes e comunidades virtuais que têm dinâmicas próprias, regidas por mecanismos e normas estabelecidas internamente pelos desenvolvedores e por quem as compõe e nelas participa.
Ao invés de agregações motivadas por condicionamentos geográficos, nos dias de hoje, encontramos agregações que se baseiam essencialmente na partilha de interesses e afinidades culturais, tal como aponta Rheingold (2004). Nesta agregação determinada por interesses encontramos a génese da formação dos jogos on-line. Estes não se limitam a agregar jogadores, vão mais além construindo verdadeiras comunidades, mais ou menos complexas dependendo também da complexidade associada ao tipo de jogo.
Nos MMORPG (Massively ou Massive Multiplayer On-line Role-Playing Game ou Multi Massive Online Role-Playing Game), por definição, o jogador interpreta uma personagem que se encontra embebida num mundo virtual composto por múltiplos jogadores. Ou seja, o jogador desempenha um determinado papel criando avatares que, de certa forma, transmitem o seu posicionamento individual perante o jogo, com uma personalidade e aspecto definidos, através do qual exploram e constroem o mundo que os rodeia. Paralelamente ao que encontramos no mundo real, as personagens tendem a aproximar-se dos seus pares. O facto de nunca se puderem vir a encontrar face a face é irrelevante, mas na maioria dos casos, as relações extravasam os meios comunicacionais disponibilizados pela plataforma do jogo e a troca de ideias e mensagens acontece através de outras ferramentas ou redes sociais diversas à disposição do utilizador no ambiente web.
Na verdade, as comunidades de jogadores precedem o advento da Internet mas serviram como referência para os modelos adoptados na rede. Para Murray (2003), é nos RPG's (Role-Playing Games) que a agregação social é mais visível, com por exemplo o jogo (Dungeons and Dragons – D&D) que evoluiu entre a década de 70 a 90. Este jogo combinava grupos de diferentes idades mais ou menos organizados, desde a camada estudantil até jovens profissionais. A dinâmica do jogo centrava-se essencialmente na aventura gráfica propriamente dita, apesar de alguma complexidade presente em mapas e estatísticas.
O RPGs de mesa, rapidamente foram transpostos para o mundo virtual. Esta virtualização permitiu a interacção de jogadores dispersos geograficamente que partilhavam através da Internet, em tempo real as suas ideias e estratégias de jogo, criando desta forma os primeiros MUDS (Multi-user dungeon, dimension/domain).
De facto, os ambientes multi-utilizador têm vindo a ficar muito populares em inúmeras áreas, tal como, os ambientes MMORPG (Massively Online Role Playing Games), como, por exemplo, o World of WarCraft ou o o Travian. O número de jogadores que envolve este tipo de ambientes é surpreendente que se dedicam ao jogo e partilham mundos virtuais através de um avatar interagindo livremente com os objectos e outros participantes.
Seria de esperar que este tipo de jogo fosse para os seus participantes motivo de alienação e isolamento social, todavia este estereótipo é totalmente errado, ao invés, os MMORPGs e os MMOGs têm um potencial socializador muito grande.
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Os ambientes multi-utilizador têm-se tornado cada vez mais populares. O número pode ir desde às centenas até aos milhões de participantes.
Cada utilizador é representado por um avatar e pode interagir com outros avatares e objectos virtuais livremente, sendo necessário estabelecer canais de comunicação com o objecto em questão.
Na criação destes canais é necessário ter em conta diversos factores, nomeadamente, informação a ser transmitida, largura de banda, tipologia de rede, normas e regras de comunicação, segurança de dados, etc... Algo que só uma equipa multidisciplinar, especializada, qualificada e muito organizada poderá responder.
De facto, o desenvolvimento de software evoluiu bastante nos últimos anos, tendo a distribuição digital catapultado o número de pessoas que mais facilmente poderiam aceder ao jogo. De acordo com Keil e Carmel (1995) e Sawye (2000) o desenvolvimento de software com capacidade de portabilidade é muito diferente do tradicional desenvolvimento para um determinado sistema operativo, sendo mais fácil obter dados relativamente à partilha e satisfação bem como do retorno de investimento.
O utilizador toma um papel mais activo e estreita as barreiras e distâncias entre desenvolvedores e consumidores através de fóruns online, mensagens via email, sistemas de report de erros, tracking das actividades do jogador, etc. Holmstrom (2004) no seu estudo de desenvolvimento de jogos aponta que o facto de se envolver o consumidor leva ao que a autora denomina por "community use model", ou seja, o processo de construção de conhecimento através das comunidades. Em suma, o conhecimento é construído pelos utilizadores e usado pelo desenvolvedores com vista a melhorar o sistema.
As pesquisa de Jeppesen e Frederiksen (2004) centram-se nas motivações dos utilizadores para contribuírem para a melhoria e inovação do sistema. Uma das suas conclusões foi que as mesmas provinham de jogadores líderes ou seniores, que com maiores conhecimentos da dinâmica de jogo que teriam uma visão mais qualificada e interessante das melhorias a fazer.
No trabalho de Peter Svensson (2008), Community Knowledge in massive multiplayer online Games, são estudados vários jogos. Uma das suas conclusões é que, de facto, existe um esforço claro e contínuo dos desenvolvedores incluírem os jogadores no processo de desenvolvimento e melhoria do jogo. Entre os vários jogos o autor denotou muitas parecenças ao nível da organização e disponibilidade da informação. Na verdade, e tal como refere Holmstrom (2004) o conhecimento de uma comunidade virtual é um processo cíclico. Ao observar as actividades dos jogadores é visível que muita da partilha e construção de conhecimento é feito maioritariamente em fóruns, onde os jogadores discutem os diversos aspectos da jogabilidade. Uma vez que os fóruns são moderados pelos programadores rapidamente a informação de maior relevância é aproveitada e integrada fazendo do processo de desenvolvimento algo verdadeiramente iterativo. Assim, são comuns as actualizações regulares e as frequentes releases das aplicações.
Talvez uma das maiores motivações para a adesão aos MMORPGs é o facto dos jogadores terem a sensação de pretensa a uma comunidade. Todavia, também o facto do jogador poder ser independente de outros jogadores também motivou o desenvolvimento dos jogos online. Esta mescla aparentemente contraditória influenciou em muito toda a vaga de jogos baseados no browser, como se pode verificar numa afirmação de um dos sujeitos do estudo:
"The community is what keeps me playing, though. If not for that, I would probably have quit now."
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Estudo de caso: travian
Como já foi defino nos tópicos anteriores os MMOG são jogos que podem ser jogados através de uma ligação à internet, não necessitando de qualquer instalação prévia, apenas um browser. Neste tipo de jogo enquadra-se o Travian. É um jogo de estratégia medieval no qual milhares de jogadores competem entre si.
O Travian foi desenvolvido por Gerhard Muller em 2004, que não tinha a noção do tipo de desenvolvimento que viria a ter, a verdade é que um ano depois, foi criada a Travian Game GBR. Rapidamente o jogo espalhou-se por mais 51 países com diversos desenvolvedores, colaboradores e 5,2 milhões de jogadores.
O Travian é gratuito existindo apenas a possibilidade de compra de alguns bónus e extras como ouro.
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O Jogo
No Travian, o jogador começa com uma aldeia, localizada num mapa com fronteiras definidas, divididas em quatro quadrantes (N, S, E, O).
O jogador tem que desenvolver recursos naturais e sociais bem como todos os sistemas de defesa e ataque de modo a evoluir, criar ou conquistar novas aldeias e manter a sua segurança. No início do jogo existem três tribos: Romanos, Teutões e Gauleses. Cada jogador tem um nome identificador único. Os recursos são madeira, barro, ferro e cereais que podem ser produzidos internamente ou saqueados a aldeias vizinhas através de ataques, por um exército composto por diferentes tropas de acordo com a tribo do jogador.
É um jogo essencialmente estratégico no qual existe a possibilidade de criar alianças que funcionam como comunidades virtuais e que são vitais para a sobrevivência do jogador. Cada aliança segue uma organização própria composta por vários cargos e regidas pelas suas leis, podendo se verificar grupos de alianças. Existe um ranking tanto para as alianças como para os jogadores, no qual conta o número de habitantes, número de ataques e defesas bem sucessivas, actividade dos jogadores, etc.
O objectivo de jogo é ficar com a Maravilha do Mundo, para tal, é necessário conquistar uma das aldeias Natar que surgem aliatoriamente pelo mapa perto do final do jogo, após a sua conquista é necessário desenvolve-la até ao nível 100 e defende-la contra todos os inimigos. É nesta fase, que de facto é visível a organização entre os jogadores e as alianças, uma vez que o número de ataques e a dificuldade de evolução é muito grande.
Para gerir convenientemente uma aliança é necessário ter um registo cuidado das actividades de cada jogador e das alianças inimigas, recolher e documentar o maior número possível de dados, posicionamento dos jogadores, actividade, inactividade, participação, etc. Aos dados quantitativos adicionam-se os dados qualitativos e sociais como a fidelização à aliança, gestão de conflitos, lutas e parcerias com outras alianças e subdivisão das mesmas.
Desta forma, a análise do jogo engloba um conjunto de várias premissas: as sociais, técnicas, económicas e lúdicas.
Quem conceptualiza um jogo deste tipo terá de ter em conta cada um dos domínios referidos anteriormente. As regras, os desafios, os obstáculos, a competitividade, a ludicidade, todos fazem parte do jogo, e tal como Oliveira (2008) aponta, também "o significado da luta por alguma coisa, pela riqueza, pela vida ou pela felicidade". O mesmo autor, refere também que o jogo na era da tecnologia permite o desenvolvimento das destrezas físicas e mentais, coordenação visual e motora, habilidades estratégicas, bem como de socialização. O jogo deixa então de estar confinado a um espaço, estrato social ou a um tempo específico.
O sucesso do Travian em Portugal é inegável, bem como o tempo despendido pelos jogadores o que levanta questões ao nível da constituíção das comunidades virtuais e da importância das mesmas como motivo para essa mesma aderência e sucesso do jogo.
Na verdade, existe uma simbiose entre as comunidades virtuais e as físicas que se transmite na exposição do jogador perante os outros. Mas que nível de informações pessoais são passadas num decorrer de um jogo e que tipo de relações humanas advêm dessa mesma interacção?
A génese dos MMOG consiste mesmo em permitir a interacção entre pessoas que criam comunidades com identidades e dinâmicas próprias. Uma aliança é um grupo e neste grupo são definidos todo um conjunto de valores, objectivos e estratégias que são apenas acessíveis aos membros do grupo. É de notar que o jogo tem no mínino a duração de um ano, durante o qual são partilhados muitos aspectos positivos e negativos entre jogadores e grupos de jogadores.
A constituição de alianças promove o relacionamento que não fica confinado ao espaço e ferramentas disponibilizadas pelo jogo. Na verdade, os jogadores tendencialmente procuram novos ambientes sociais, que se ramificam em fóruns, ferramentas de comunicação síncrona e assíncrona, sites e redes sociais bem conhecidas como o Hi5, IRC, Facebook, blogs, etc.
No estudo feito por Pedro Miguel Barreiros e Sergio Terreiro de Magalhães da Universidade Católica sobre o tema concluíram que 80% dos jogadores são do sexo masculino, mas é crescente a adesão de jogadores do sexo feminino; 67% têm entre 19 e 35 anos de idade; 69% compra ouro (bónus); 21% participa em jantares promovidos pelas alianças; 16% comunica por telefone ou sms e 37% afirma ter a necessidade de contacto físico com outros jogadores. Relativamente ao tempo de jogo, 25% dos jogadores dedica mais de 5h por dia e 90% joga diariamente. Tal facto, deve-se essencialmente ao cumprimento de responsabilidades enquanto membros da aliança, ataques, defesas, e para o jogador não entrar em estado de inactividade.
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Travian como potenciador da criação de redes sociais online
"As motivações das pessoas que integram as comunidades virtuais passam pela procura de informação muito diversa e pela vontade de comunicar, via Internet, com pessoas que já conhecem fora da rede, ou com pessoas que ainda não conhecem e com as quais procuram estabelecer relações da mais diversa índole". (Marcelo, 2005).
Bobany (2008) afirma que "a característica comum é a ênfase entre jogadores e a competição". Desta forma, o jogadores partilham o mesmo espaço que o afecta, mas eles também afectam todo o ambiente circundante. Partilham situações similares e verossímeis às da vida em sociedade, uma vez que as regras estabelecidas durante o jogo são essenciais para garantir a evolução dos mundos virtuais, a base destes jogos, como o Travian é a evolução das estruturas e das relações.
"Um mundo virtual pode simular fielmente o mundo real. Pode permitir ao explorador que construa uma imagem virtual muito diferente de sua aparência física quotidiana. Pode simular ambientes físicos imaginários ou hipotéticos, submetidos a leis diferentes daquelas que governam o mundo comum. Pode, finalmente, simular espaços não-físicos, do tipo simbólico ou cartográfico, que permitam a comunicação por meio de um universo de signos compartilhados."
(Lévy, 2001);
Indubitavelmente o Travian com a sua mecânica e dinamismo de jogo é um enorme potenciador de criação de redes e comunidades virtuais. Proporcionando a imersão e a navegação por proximidade tal como Lévy (2001) refere, ou seja, ao interagirem com o mundo virtual os jogadores simultaneamente o exploram e actualizam, enriquecendo-o e tornando num mecanismo de criação de uma inteligência colectiva. No Travian é visível como os jogadores se organizam, criando as suas estratégias e narrativas, organizam as comunidades, estabelecem laços e relacionamentos que ficam confinados ao ambiente do jogo ou passam para a vida real. Existe uma nítida entre-ajuda, entre jogadores com objectivos comuns que são espelho da necessidade de socialização dentro do ciberespaço.
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“Os MMOGs interferem cada vez mais na vida real dos jogadores, mostrando-se como espaço para comunicação, disseminação de cultura e de socialização”
(Azevedo, 2009)
Os MMOGs têm cada vez mais um papel fundamental na vida real dos jogadores, os mesmo dispersos geograficamente tendem a socializar-se e a criar comunidades as quais são definidas pelas características dos seus membros, que trazem para dentro das mesmas os seus conhecimentos e realizam novas formas de aprendizagem através da troca de experiências promovida pela grande interactividade existente nas plataformas e na web em si.
Os jogadores influenciam e são influenciados pelo jogo, Bobany (2008) alerta para o facto dos jogadores tendencialmente adoptarem ou ajustarem os seu estilos de vida em conformidade com os jogos, que não os isolam socialmente mas limitam a sua socialização e interacções sociais aos ambientes virtuais delimitados pelo jogo.
O Travian é um exemplo de sucesso por excelência de como um jogo online pode agregar diferentes jogadores dipersos geograficamente, que formam comunidades altamente organizadas com vista a cumprir um determinado objectivo.
References
Game design as marketing: How game mechanics create demand for virtual goods, Juho Hamari, Vili Lehdonvirta;
Community vs. Soloplaying in Multiplayer Internetgames; Nicholas David Bowman, Daniel Schultheiss, Christina Schumann
Community knowledge in Massively Multiplayer Online games; Peter Svensson
Multipoint-to-multipoint network communication; Philip Kilby, Desmond Lun, Giang Nguyen
A exposição e interacção pessoal nas comunidades de jogos on-line (MMOG) em Portugal; Pedro Miguel Barreiros, Sérgio Tenreiro de Magalhães
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