havia momentos em que pouco falávamos. não porque não tivéssemos nada para dizer, mas apenas porque sabíamos apreciar o silêncio dos olhares tímidos e dos sorrisos cúmplices. ficámos toda a tarde assim, num bar quase vazio numa sexta-feira quente e preguiçosa, permanecemos embrenhados no fumo denso e nos finos dourados e lânguidos; o tempo escorria lento mas diligente escrito nas linhas de uma folha desventrada de um caderno massacrado pelas viagens. entre os jogos do galo e da forca; os desenhos abstractos e os esboços de ideias surreais; as frases feitas e os pensamentos despertos; os medos latentes e os desejos escondidos, tomava forma outra coisa mais forte, mas inevitavelmente frágil... pouco antes da despedida, escreveu-me uma frase e no final desenhou uma seta a apontar para o inicio da mesma. abrindo os olhos camaleónicos raiados, interrompeu o silêncio para dizer "é capicua, podes ler ao contrário"... tal como a vida, cujo reverso, é ela própria.
apocalipse, do grego αποκάλυψις, apokálypsis,
significa "revelação",
formada por "apo", tirado de, e "kalumna", véu
toda a existência é apocalíptica, uma descoberta a cada momento, os sonhos morrem, os tecidos envelhecem, alguns sentimentos são apagados pela demência galopante e outros permanecem, renovam-se e ficam mais fortes, iluminando os recantos obscuros e inóspitos da mente, criando hábitos, reinventando rotinas e culturas, evoluindo a alma e dando, assim, a cada momento, um novo sentido a este eterno e confrangido apocalipse.
"Cuidado que ninguém vos engane.
Ouvireis falar de guerras e rumores de guerras;
não vos alarmeis, porque é preciso que isso aconteça,
porém não será ainda o fim.
Pois se levantará povo contra povo e reino contra reino;
haverá fome e terremotos em diversos lugares,
mas tudo isso será somente o princípio das dores"
Mateus (24, 1-13)