"pies... para qué los quiero, si tengo alas para volar", Kahlo, F.
calcei durante demasiado tempo os mesmo sapatos e acabei por fazer uma ferida feia e funda no calcanhar. não foi fácil cura-la, sangrou exageradamente e provocou-me dores inacreditáveis, ao ponto de praticamente me imobilizar. curei-a paulatinamente, com cuidados minuciosos e constantes. não sei muito bem porque insisti usar tanto tempo os mesmos sapatos desconfortáveis, mas a verdade é que gostava demasiado deles, e apesar da dor, sentia-me bem e feliz com eles calçados. um dia, após inúmeras quedas, desisti, nunca mais os usei, não sei o que é feito deles, mas como ainda estavam bons, tenho esperança que alguém lhes tenha dado o uso adequado e merecido.
com o passar do tempo deixei de me lembrar da ferida, até que num dia banal, igual a tantos outros, tropecei nuns sapatos ligeiramente semelhantes. sabia que me poderia magoar novamente, mas eles pareciam ser agradáveis e eu tinha tantas saudades de ter uns sapatos assim que não resisti. calcei-os sem receio, acreditando que desta vez iriam servir na perfeição. que alegria! nas primeira passadas parecia que andava sobre algodão... mas, ao fim de uma ou duas caminhadas, a dor voltou. tentei andar com cautela, mas sem aviso a ferida abriu-se novamente e voltei para casa descalça, a manquejar, triste e dorida...
ando, agora, com mais cuidado, de nada serve ter uns sapatos bonitos se com eles não conseguimos ir a lado nenhum e se estamos constantemente a sofrer e a cambalear. desta forma, descobri que é bom sentir a relva, a terra, a agua, a areia e as pedras quentes na pele fina dos pés, que existem sapatos que nos fazem sentir verdadeiras princesas e outros que ajudam a correr melhor e vencer os obstáculos... basta apenas escolher ponderadamente, na medida certa, feitos com os melhores materiais e não ligar a modas ou publicidade enganosa.
por vezes, lembro-me com saudosismo dos sapatos antigos, dos passeios, dos saltos, das corridas, das danças, das pegadas... afinal, aprendi a andar com eles e eles moldaram-me o andar... quando as caminhadas são mais penosas, os percursos austeros e inóspitos, ainda tenho dores no calcanhar, mas já não é ferida, é calo.
"my shoes are special shoes for discerning feet.", Blahnik, M.