{ devias mas não podias }


devias ter puxado o gatilho estilhaçando a carne à imagem da alma. devias ter deixado esvair em sangue, quente e espesso como um manto em jeito de caricia. devias ter esfaqueado e esquartejado com precisão e rigor. devias ter dado veneno, ácido ou outra qualquer substância nociva para queimar, corroer e intoxicar. devias ter sufocado e estrangulado até ao ultimo sopro, aquele que guarda o segredo. devias ter feito explodir, dissipar ou aniquilar de modo a não deixar rasto. devias ter desmembrado, enforcado, trucidado ou outra qualquer loucura com sabor a punição que te invade a mente enquanto ouves as conversas cruzadas à espera do café ou observas a rotina dos neo-zombies contemporâneos perdidos nas suas inquietações. devias mas não podias, o amor não se mata, não padece nem mesmo com a morte, perdura eternamente nos vestígios da existência, tangível no toque, visível nas atitudes e no olhar que não se pode esconder, audível nos poemas e no vento, inalado nas flores e no perfume da pele, saboreado no beijo e no vinho com que se brinda a alegria e se afoga a mágoa. devias mas não podias, o amor é uma entidade que vai para além do ser.