my love

Na verdade, não percebo nada do que é amor, muito menos do que é amar. Que tipos de amor existem e quantas pessoas/coisas podemos amar em simultâneo. Qual é a linha que divide o amor e o ódio, e como podemos amar algo que nunca vimos ou como queremos distância de alguém com quem nunca estivemos  ou conhecemos. É uma problemática sem fim, um problema sem solução aparente. O que sei, é que certas questões perante o absurdo ficam demasiado pequenas, demasiado mesquinhas, obsoletas, em suma, uma perda de tempo. O que sei é que quando quem amo não é feliz, e quando quem eu quero bem não está bem...fico triste... "triste como a noite".
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“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”

{ELOGIO AO AMOR - Miguel Esteves Cardoso in Expresso}

{Não poderá morrer sem dizer tudo}

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

{Poema À Boca Fechada}
José Saramago

{não-espaço do espírito}


{"The deadliest bullshit is odorless and transparent"}

{"O ciberespaço. Uma alucinação consensual vivida quotidianamente por dezenas de milhares de operadores em todos os países... Uma representação gráfica de dados extraídos das memórias de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Traços de luz dispostos no não-espaço do espírito..."}

William Gibson


{Fresh Water. Salt. Techno.}

{o ensaio do ensaio}

Dance culture e underground music é um objecto cultural que encapsula em si complexos e diversos estilos, influências, modas e tendências da arte e do pensamento do homem pós-moderno perante a musica electrónica. A manipulação do som exponenciada ao infinito aliada à parente manipulação inesgotável da imagem, do vídeo e dos jogos de luzes foram o escape perfeito para os devaneios de toda uma geração jovem encantada e sufucada pelo estilo de vida marcadamente tecnologico. As 'raves' nascidas nos finais das décadas de 80 do séc. XX nos armazéns abandonados de Detroit e Londres tiveram um carácter ilegal e dúbio mas marcaram de forma decisiva a entrada de manifestações suburbandas no dominio da arte e da cultura e rapidamente alastraram-se a nível mundial, tornando-se num negócio que movimenta milhões. As 'raves' eram por génese uma manifestação contra o sistema: dançar perante as situações adversas, tempos de crise, indo além do limite físico e mental e durante um período de tempo abusivo, contraproducente. Uma nítida impregnação da cultura dionisíaca embebida em luzes, fumos e batidas.
Criada por engenheiros e tecnólogos maravilhados pelas combinações sonoras das máquinas , aparelhos e sintetizadores (mas sem terem noção do que realmente estavam a criar) o Techno afirma-se numa simbiose única que culminada e mescla diferentes influências musicais, com o mundo sub-urbano,a cultura de rua, as máquinas e a tecnologia e toda a cibercultura em sons programados e criados à milésima de segundo para serem bem interpretados pelo ouvido humano. Musica em estado bruto e sem ruído humano à excepção do ruído e dissonâncias criadas propositadamente e que engordam e preenchem a onda sonora modulada de impulsos eléctricos. Este veneno sonoro de frequências repetitivas sintetiza a alma e masteriza as emoções proporcionando novas sensações, interpretações e discussões da relação do homem, com a tecnologia e com a arte. 
É terreno fértil... contudo inóspito.

{"electronic music and techno music is music that is created by a force that it is supose to move foward" - richie hawtin}

{AntiworkFlow}

Por vezes o Work e o Flow andam em sentido inverso ao que seria suposto, fenómeno conhecido por AntiWorkFlow. AntiWorkFlow é um estado de dessincronismo com o tempo e com espaço. É uma alienação de carácter azarento, de destino mal fadado, de decisões inconsequentes, naïves e irresponsáveis. É estar na hora errada, no sitio errado e sem cabeça nenhuma. É rir quando se deveria chorar, é deixar de ter medo do absurdo, é perder a calma e ficarmos indiferentes. É paralisarmos perante o vazio.
o problema persiste: as tarefas acumulam-se entre milestones e deadlines, as decisões adiam-se e tudo tende para o caos, temos a liberdade do radicalismo e o livre arbítrio de escolher entre entidades já determinadas. Os movimentos tornam-se mecânicos e artificiais, a rotina mata e o desespero minuciosamente... cresce.

{¿will i die without knowing what iam and what i could have been?}