"Animula vagula, blandula,
Hospes comesque corporis,
Quæ nunc abibis in loca
Pallidula, rígida, nudula,
Nec, ut soles, dabis iocos..."
P. Ællius Hadrianus, Imp.
Eu acreditaria nessa associação do amor às alegrias puramente físicas (supondo-se que tais alegrias existam) no dia em que visse um gastrônomo soluçar de prazer diante do seu prato favorito, tal como o amante sobre um ombro amado. De todos os jogos, o do amor é o único capaz de transtornar a alma e, ao mesmo tempo, o único no qual o jogador se abandona necessariamente ao delírio do corpo. Não é indispensável que aquele que bebe abdique da razão, mas o amante que conserva a sua não obedece inteiramente ao deus do amor. Tanto a abstinência quanto o excesso engajam apenas o homem só.
(...)
Concordo em que o sono mais perfeito é necessariamente um complemento do amor: repouso tranquilo, refletido sobre dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde reencontramos os mortos.
(...)
Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos...
Yourcenar, M. (1903-1987) in Mémoires d'Hadrien, in reference to MUTIPLEX performance by Rui Horta